domingo, 9 de maio de 2010

Vivi

Primeiro, andando de um lado para o outro do quarto, ela começava a contar a história, sempre a mesma, e era sempre como se fosse a primeira vez. Contava com uma voz calma e cuidadosa, escolhendo bem cada palavra, detalhando cada cena da forma mais minuciosa já vista. As descrições eram saborosas: a casa tinha paredes de chocolate, telhado de suspiro, as cadeiras eram comestíveis, a mesa era feita de biscoito e as crianças que ali entravam não conseguiam se conter com tantas tentações.

Depois, vendo as duas netas já no embalo do sono, acabava por deitar-se também, mas continuava contando, detalhadamente, até que o sono se impunha sobre ela. O final da história, então, ficava pro dia seguinte.

Não é de se estranhar que todos gostassem dela. Quando ria, fechava os olhos e balançava um pouquinho os ombros de um jeito tão gostoso de ver que quem estivesse perto acabava por rir também. Guardava balas de chocolate num armário e dava aos netos naqueles momentos em que eles costumavam pensar que os adultos eram uns chatos, que gostavam de verduras e não deixavam ninguém comer doces antes do almoço. Ela deixava. Mas também oferecia laranjas, que comia com muito gosto mais de uma vez ao dia.

Prestava muita atenção no que cada um gostava de comer, e preparava comidas especiais quando recebia visitas. Cozinhava maravilhosamente. Tinha alguns cadernos de receitas escritos por ela mesma, os quais são dignos de publicação pelos comentários que ela acrescentava às receitas: "mexa bem, até encher o saco".

Tinha um senso de humor único. Falava bobagens e em seguida ria sozinha. Sempre perdia os óculos. Sempre os achava. Desenhava rostos femininos e flores sem nunca se cansar. Inventava apelidos tirados de personagens de filmes antigos. Gostava dos cabelos das netas.

- Ah, quanto cabelo! Que brilho! Veja só o meu, tão fininho, tenho que fazer permanente para ficar mais cheinho... - e então fazia tranças nos cabelos das netas, e continuava elogiando.

No Natal, seu filho a tirava para dançar Frank Sinatra e era uma alegria.

- Que sorte a minha, dançar com um homem tão bonito! - dizia ela. Depois, saia cantarolando pela casa a melodia, e a casa inteira dançava também.

Tinha um cheiro gostoso de vó. Era gordinha, assim como uma vó deve ser, pra gente poder deitar no colo dela, fingir que é travesseiro e escutar uma história boa.

Dizem que exagero E eu aqui, nego: Sinto muito. Quando gosto, expando Quando desgosto, debando Dizem que não falo eu,...