segunda-feira, 25 de julho de 2005

O carteiro e a poeta

À tudo que você é, pensa que é ou me diz que é.
Aos nossos encontros raros e filosóficos.
Aos nossos encontros quando não eram raros...
Aos nossos desentendimentos.
Ao nosso atual entendimento, que me faz tão bem.
À tudo que não faz sentido.
Ao pouco convívio, que me faz bem tanto quanto mal.
À sua ausência e à sua essência
.
Às suas loucuras cativantes.
Às minhas loucuras também, como essa dedicatória.
À você, Daniel.
Acordou com a sensação de não ter dormido, levantou com a idéia de mudar e no fim fez tudo que sempre fazia. Rotina. Às vezes pensava em largar tudo e viajar pelo mundo a procura de uma explicação para a sua existência. Depois pensava que viajar pelo mundo talvez não fosse a solução. Então pensava em morrer. E, conforme a rotina, afastava o pensamento da cabeça para tentar enxergar as moléculas de água desenhadas na lousa do cursinho.
Seus dias eram todos iguais. Estava cansado, é fato. Cansado de viver sem sentido, buscando uma explicação para o que é por si só uma incógnita: a vida. A sua, por sinal, fora desde sempre repleta de obrigações e responsabilidades das quais cumpria sem saber o motivo, ou então não cumpria por saber o motivo e não concordar. Era o menino dos contrários.
Nesse dia chegou a questionar-se qual o sentido de fazer uma faculdade, se a partir disso já se tem toda a vida pré-determinada. O que ele queria era o diferente, o não padrão, o estranho, o novo. Queria romper com as regras e sair por aí gritando suas vontades. Queria se rebelar contra as instituições e descobrir o mundo com seus próprios pés, sem que ninguém lhe desse ordens. Queria saltar de uma ponte e cair no mar, pular de pára-quedas no meio da selva, transformar uma idéia em revolução, um passo em uma estrada inteira, um gesto em mil abraços...
Quando sonhar já não agüentava e olhar a lousa já não sustentava, foi salvo pelo sinal de saída. O resto da tarde passou por aí, vagando pelo inconsciente e tentando achar a concentração que não vinha. Pegou um ônibus, desceu em uma praça, tomou um sorvete e nada. De que adiantava tudo aquilo? A razão para suas ações parecia não existir, então pensou que talvez também não existisse: fosse apenas ilusão dos olhos alheios.
De repente veio-lhe uma idéia na cabeça, daquelas que criança tem de vez em quando, e resolveu sair por aí divulgando a maluquice:
- Sabe, o que eu sempre quis mesmo foi ser carteiro, sair por aí entregando cartas, pegando ônibus de graça e conhecendo a cidade inteira! Ou talvez um lixeiro, daqueles que só trabalham a noite, enquanto a cidade dorme...
E nessa de tentar descobrir o que queria ser, ele gastou saliva e fôlego para dizer tudo aquilo o que não queria ser. Enfim, ele só sabia que queria alguma coisa....
Voltou para casa cansado, como de costume. No dia seguinte acordou com a sensação de não ter vivido, levantou com a idéia de parar e acabou seguindo em frente, para algum outro lugar. Longe.

Dizem que exagero E eu aqui, nego: Sinto muito. Quando gosto, expando Quando desgosto, debando Dizem que não falo eu,...