sábado, 10 de novembro de 2007

Já de saída minha estrada entortou...


Não digo que foi doloroso pra mim porque não me lembro, mas deve ter sido a dor mais intensa que já senti, e que já sentiram por mim.
Meu coração já nasceu conturbado. Estava lá, pulsando um pouco menos do que devia, misturando o que não era pra misturar. Era problema sério, desses que mata, disseram os médicos. Aliás, era o mais provável que acontecesse. Operei, sobrevivi, virei bebê gordinho. Cá estou. O problema foi embora pra sempre, dizem.
A cicatriz, no entanto, ficou. Todo dia quando vou tomar banho ela me faz lembrar com alívio que estou viva, sim, tenho um coração que pulsa. Ao mesmo tempo acho curioso pensar que foi só o problema físico se resolver pra que o problema metafísico aparecesse. A cicatriz me deixa a impressão de que eu não tive saída, de algum jeito meu coração nasceu e vai ser sempre conturbado.

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Ele gostava de guardar o cheiro dela no bolso, depois de darem as mãos. Ela gostava de guardar o cheiro dele no corpo, depois de cada abraço. Eles não se falavam, mas sabiam da intenção de guardar o cheiro um do outro. Sabiam também que guardar cheiros era só um jeito de disfarçar a vontade de guardar boca, mãos, corpo, guardar tudo um do outro, trocar tudo que podiam entre si. Sabiam que disfarçar só aumentava o desejo, e sabiam que desejo reprimido só aumentava a perfeição da idéia.
A idéia. Parecia destino, mas também parecia impossível. Parecia que se trocassem tudo que podiam entre si nada mais faria sentido, a não ser trocarem tudo aquilo pro resto da vida. Eles não queriam, agora, nada pro resto da vida. Então quando por acaso parecia que as coisas estavam caminhando para a troca, eles recuavam, disfarçavam, fingiam que era amizade aquilo, e continuavam guardando cheiros sem dizer nada, porque nem era preciso.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Sobre o amor (I)

- olha pra mim e diz: não, nós não temos futuro.
Ela olhava, não dizia nada. Depois fugia de mim, fingia ódio no olhar, mas andava meio caindo pra frente, era amor aquilo, queria jorgar-se em meus braços, dava pra ver.
- olha pra mim e diz que não me ama.
Ela não dizia nada, olhava com tristeza e fugia de mim. Mas ela me amava sim, eu sentia pelo jeito de andar, despencando pro lado esquerdo, bem perto de mim.
- criatura, por que não diz uma palavra de amor, nunca?
Ela não dizia, não disse, nunca vai dizer, mas se inclina toda pra traz, quando me vê, como se estivesse fugindo. Eu sei, porém, que no fundo ela está é se declarando ao contrário.

Dizem que exagero E eu aqui, nego: Sinto muito. Quando gosto, expando Quando desgosto, debando Dizem que não falo eu,...