Sua casa não é minha, mas me vejo em cada quadro,
canto, quarto, quina, coisa. Sua casa não é minha, mas tô nela em forma de
vaso, de flor, de cor. Nos copos de pinga, no teto que pinga, na tinta que
respinga. Nas almofadas, nas molduras, nas velas, nas panelas. Tô nas janelas. Sua
casa não é minha, mas é tão minha. Tô na mancha do sofá, no arranhado da porta,
no amassado do fogão. Tô no chão, tô no colchão. Tenho me retirado dela como que
em vão. Às vezes esqueço um suspiro, noutras respiro. Tem dias que nada levo,
só relevo. De pouco em pouco vi que, na tentativa de me tirar do que não é meu,
mas me tem, me desfiz de mim. Confuso? Sim. Sua casa não é minha, mas estou
nela tanto que, na ânsia de me colocar na minha própria casa, achei que
precisava me subtrair da sua. E que surpresa boa quando entendi que, em questão
de alma, diferente do corpo, dá pra se estar em dois lugares ao mesmo tempo.
Minha casa é muito minha, mas tem um eu meu que mora na sua.
quinta-feira, 14 de abril de 2016
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