quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
Olhos que cheiram
Coisa rara os encontros com os outros, pensou. Enquanto observava dois cachorros se cheirando minuciosamente na beira do mar, imaginava se os humanos também se cheiravam, de alguma forma, quando se conheciam. Acreditava que sim, que pelo olhar as pessoas também se cheiravam. Era por isso que tanto observava antes de falar. Queria saber com quem estava lidando, antes de lidar, e por isso observava com grandes olhos assustados tudo o que aparecesse na sua frente. Não falava uma palavra sequer antes de cheirar. E dos cheiros que conseguia captar formava uma ideia do que viria a seguir, e - espantada - quase nunca errava.
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
Fragmentos
Escuta, eu não tenho memória. Não sei quantos anos eu tenho, qual foi nossa última conversa, o que eu comi no almoço nem que livro acabei de ler. Não me lembro o porquê dos porquês, as causas ou as razões; os fatos.
Mas, olha, me lembro do cheiro da casa da vó, quando batia vento no fim de tarde. Do gosto da comida quente dentro da boca, quando íamos comer perto do rio. Me lembro que meu pai tinha um dégradé de cores na barba, e que quando batia sol todas as cores viravam uma só. Do timbre da voz querida quando dizia alô. Me lembro do incomodo nos pés quando pisava nas pedrinhas no caminho para a praia, e da dança que eu fazia para me desvencilhar delas. Do vai e vem das ondas e da areia seca, molhada, seca, molhada.
Me lembro da música que estava tocando no bar da primeira vez que te vi, e que o seu sorriso vai mais pra direita do que pra esquerda. Eu sei quantas vezes eu suspirei antes de dizer que te amo, quantos passos dei até te encontrar, qual era a cor do céu e que o chão tremia suave um pouco antes e até hoje, sempre que te vejo. Mas quando me perguntam quem é, oh, o grande homem, eu não sei dizer.
Não me lembro de você, mas sinto fome toda vez que você cruza a minha esquina.
Mas, olha, me lembro do cheiro da casa da vó, quando batia vento no fim de tarde. Do gosto da comida quente dentro da boca, quando íamos comer perto do rio. Me lembro que meu pai tinha um dégradé de cores na barba, e que quando batia sol todas as cores viravam uma só. Do timbre da voz querida quando dizia alô. Me lembro do incomodo nos pés quando pisava nas pedrinhas no caminho para a praia, e da dança que eu fazia para me desvencilhar delas. Do vai e vem das ondas e da areia seca, molhada, seca, molhada.
Me lembro da música que estava tocando no bar da primeira vez que te vi, e que o seu sorriso vai mais pra direita do que pra esquerda. Eu sei quantas vezes eu suspirei antes de dizer que te amo, quantos passos dei até te encontrar, qual era a cor do céu e que o chão tremia suave um pouco antes e até hoje, sempre que te vejo. Mas quando me perguntam quem é, oh, o grande homem, eu não sei dizer.
Não me lembro de você, mas sinto fome toda vez que você cruza a minha esquina.
terça-feira, 23 de novembro de 2010
naqueles tempos, hoje
peguei aquele cantinho escondido atrás da quadra e rememorei o dia em que eu chorei chorei chorei e você não disse nada. rememorei também momentos ao sol, o chão amarelo, o riso encondido, o riso solto. o medo de ser chamado para responder pergunta difícil no dia da apresentação final. as gravações cheias de graça e o esforço pra fazer bonito. os olhares. o bocejo inevitável às 7 da manhã. rememorei a sensação que eu tinha quando te via pegando material no terceiro armário de lá pra cá.
rememorei com olhos embaçados, sem saber mais se foi no cantinho mesmo, se foi choro choro choro ou só choro, se o riso era escondido ou não, se a pergunta era mesmo difícil, se o armário era o terceiro de lá pra cá. quis lembrar como é que eu escrevia, naqueles tempos. me vi fora de mim há 6 anos atrás, refletida em 120 outros, iguais. rememorei quem eu era, fora de mim e dentro de mim. me vi outra, sendo a mesma. e não foi saudade o que eu senti, foi alívio - e um pouco de sono.
rememorei com olhos embaçados, sem saber mais se foi no cantinho mesmo, se foi choro choro choro ou só choro, se o riso era escondido ou não, se a pergunta era mesmo difícil, se o armário era o terceiro de lá pra cá. quis lembrar como é que eu escrevia, naqueles tempos. me vi fora de mim há 6 anos atrás, refletida em 120 outros, iguais. rememorei quem eu era, fora de mim e dentro de mim. me vi outra, sendo a mesma. e não foi saudade o que eu senti, foi alívio - e um pouco de sono.
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Avesso
Do não, não, fez-se o sim.
Do sim, hum, sim, fez-se o somos.
Do somos, sim, hum, somos, fez-se o vamos.
Então se vamos, somos. Sim?
Não, não.
Do sim, hum, sim, fez-se o somos.
Do somos, sim, hum, somos, fez-se o vamos.
Então se vamos, somos. Sim?
Não, não.
sábado, 6 de novembro de 2010
[di]vagando na madrugada
frio calor frio calor. coça coça, frita. água, xixi. coça. ônibus carro rua funk. carro com funk. sono sem sono sono. ele também não consegue. água, xixi. frita frita. amanhã, hoje, ontem, amanhã. amanhã e depois. coça. será que é minha culpa? culpa pai conversa culpa será? amanhã escola ontem eu era aluna amanhã volto e não sou. observo. eu era? eu fui. o que sou? fome. sono sono sem sono. ele dorme, eu olho. calor calor, coça coça. relatório amanhã texto ah, ler, aula resumo louca educação ler relatório. namorar agora não amanhã depois ou não também pra que serve será mesmo? não quem sabe amor existe? educação 11 horas professora relatório observo aluna amanhã escola. tempo sem tempo ter tempo. alucina no tempo. pensar. não pensar. dormir. frita frita. não pensar. sono água xixi. fome, despertador.
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
5 linhas
Quando nasci, senti tua falta.
Sem te conhecer, mas sabendo-te meu, esperei.
Aos 31 anos e 4 meses te conheci. Desesperei.
Meu nome é Maria José, sempre que penso em você, me lembro de mim.
Qual é o teu nome?
Sem te conhecer, mas sabendo-te meu, esperei.
Aos 31 anos e 4 meses te conheci. Desesperei.
Meu nome é Maria José, sempre que penso em você, me lembro de mim.
Qual é o teu nome?
domingo, 29 de agosto de 2010
Norma
A, ante, perante, após, até, com, contra, de, desde, em, entre, para, por, sem, sob, sobre, trás, atrás de, dentro de, para com. Como, durante, exceto, fora, mediante, salvo, segundo, senão, visto. Abaixo de, acerca de, acima de, ao lado de, a respeito de, de acordo com, em cima de, embaixo de, em frente a, ao redor de, graças a, junto a, com, perto de, por causa de, por cima de, por trás de. Pelo, pela, ao, aonde. Do, dos, da, das, dum, duns, duma, dumas. No, nos, na, nas, num, numa, nuns, numas. Bem, mal, melhor, pior, assim, aliás, depressa, devagar, como, sobremodo, sobretudo, sobremaneira. Não, nem, nunca, jamais. Muito, pouco, mais, menos, demasiado, quanto, quão, tanto, tão, assaz, tudo, todo, bastante, quase, nada. Eu, tu, ele, nós, vós, eles. Eu, você e todos nós.
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
sexta-feira, 9 de julho de 2010
Destino
Não acredito em horóscopo, fadas, duendes, fantasmas, espíritos, cartomantes, tarô, búzios, mágica, bruxas. Não acredito em Deus. Mas, contradizendo tudo isso, por vezes tenho um pensamento sobre o meu começo que muito me agrada, e até mesmo me fortalece:
Quando nasci soprei, pouco e devagar. Fui me impondo à vida com tal determinação que aqui estou. Não era pra ser, e foi. Então penso que era pra ser sim, que eu, menor do que o menor bebê que existe, tinha no meu pequeno corpo insuficiente um bocado de vida escondida, que pulsava louca para viver de corpo inteiro. Eu insisti na vida, e ela nasceu dentro de mim.
Não acredito em destino, mas que ele existe, existe.
Quando nasci soprei, pouco e devagar. Fui me impondo à vida com tal determinação que aqui estou. Não era pra ser, e foi. Então penso que era pra ser sim, que eu, menor do que o menor bebê que existe, tinha no meu pequeno corpo insuficiente um bocado de vida escondida, que pulsava louca para viver de corpo inteiro. Eu insisti na vida, e ela nasceu dentro de mim.
Não acredito em destino, mas que ele existe, existe.
domingo, 9 de maio de 2010
Vivi
Primeiro, andando de um lado para o outro do quarto, ela começava a contar a história, sempre a mesma, e era sempre como se fosse a primeira vez. Contava com uma voz calma e cuidadosa, escolhendo bem cada palavra, detalhando cada cena da forma mais minuciosa já vista. As descrições eram saborosas: a casa tinha paredes de chocolate, telhado de suspiro, as cadeiras eram comestíveis, a mesa era feita de biscoito e as crianças que ali entravam não conseguiam se conter com tantas tentações.
Depois, vendo as duas netas já no embalo do sono, acabava por deitar-se também, mas continuava contando, detalhadamente, até que o sono se impunha sobre ela. O final da história, então, ficava pro dia seguinte.
Não é de se estranhar que todos gostassem dela. Quando ria, fechava os olhos e balançava um pouquinho os ombros de um jeito tão gostoso de ver que quem estivesse perto acabava por rir também. Guardava balas de chocolate num armário e dava aos netos naqueles momentos em que eles costumavam pensar que os adultos eram uns chatos, que gostavam de verduras e não deixavam ninguém comer doces antes do almoço. Ela deixava. Mas também oferecia laranjas, que comia com muito gosto mais de uma vez ao dia.
Prestava muita atenção no que cada um gostava de comer, e preparava comidas especiais quando recebia visitas. Cozinhava maravilhosamente. Tinha alguns cadernos de receitas escritos por ela mesma, os quais são dignos de publicação pelos comentários que ela acrescentava às receitas: "mexa bem, até encher o saco".
Tinha um senso de humor único. Falava bobagens e em seguida ria sozinha. Sempre perdia os óculos. Sempre os achava. Desenhava rostos femininos e flores sem nunca se cansar. Inventava apelidos tirados de personagens de filmes antigos. Gostava dos cabelos das netas.
- Ah, quanto cabelo! Que brilho! Veja só o meu, tão fininho, tenho que fazer permanente para ficar mais cheinho... - e então fazia tranças nos cabelos das netas, e continuava elogiando.
No Natal, seu filho a tirava para dançar Frank Sinatra e era uma alegria.
- Que sorte a minha, dançar com um homem tão bonito! - dizia ela. Depois, saia cantarolando pela casa a melodia, e a casa inteira dançava também.
Tinha um cheiro gostoso de vó. Era gordinha, assim como uma vó deve ser, pra gente poder deitar no colo dela, fingir que é travesseiro e escutar uma história boa.
Depois, vendo as duas netas já no embalo do sono, acabava por deitar-se também, mas continuava contando, detalhadamente, até que o sono se impunha sobre ela. O final da história, então, ficava pro dia seguinte.
Não é de se estranhar que todos gostassem dela. Quando ria, fechava os olhos e balançava um pouquinho os ombros de um jeito tão gostoso de ver que quem estivesse perto acabava por rir também. Guardava balas de chocolate num armário e dava aos netos naqueles momentos em que eles costumavam pensar que os adultos eram uns chatos, que gostavam de verduras e não deixavam ninguém comer doces antes do almoço. Ela deixava. Mas também oferecia laranjas, que comia com muito gosto mais de uma vez ao dia.
Prestava muita atenção no que cada um gostava de comer, e preparava comidas especiais quando recebia visitas. Cozinhava maravilhosamente. Tinha alguns cadernos de receitas escritos por ela mesma, os quais são dignos de publicação pelos comentários que ela acrescentava às receitas: "mexa bem, até encher o saco".
Tinha um senso de humor único. Falava bobagens e em seguida ria sozinha. Sempre perdia os óculos. Sempre os achava. Desenhava rostos femininos e flores sem nunca se cansar. Inventava apelidos tirados de personagens de filmes antigos. Gostava dos cabelos das netas.
- Ah, quanto cabelo! Que brilho! Veja só o meu, tão fininho, tenho que fazer permanente para ficar mais cheinho... - e então fazia tranças nos cabelos das netas, e continuava elogiando.
No Natal, seu filho a tirava para dançar Frank Sinatra e era uma alegria.
- Que sorte a minha, dançar com um homem tão bonito! - dizia ela. Depois, saia cantarolando pela casa a melodia, e a casa inteira dançava também.
Tinha um cheiro gostoso de vó. Era gordinha, assim como uma vó deve ser, pra gente poder deitar no colo dela, fingir que é travesseiro e escutar uma história boa.
domingo, 28 de fevereiro de 2010
Sobre o amor (II)
- Ah, sim, nós temos um futuro tão lindo pela frente!
Ele balançava a cabeça concordando; virava o olho pra cima discordando. Dizia na medida certa aquela única palavra necessária "sim", e ela achava tudo lindo. Depois ele ia embora rindo doce, fingia amor no olhar, mas andava rápido e sem olhar pra trás.
- Ah, como eu te amo...eu te amo!
Ele dizia com convição o esperado "eu também", mas repetia a frase de forma enfadonha três vezes seguidas "eu também, eu também, eu também...", o que ela achava enfático e lindo. Depois encenava um beijo demorado e firme e representava bem o seu papel de macho entusiasmado. Mas em seguida virava de lado e dormia rápido pra esquecer, e sonhava que sonhava com ela, e acordava com ela e sonhava acordado com outra, com ela ao lado.
- Nós vamos casar um dia, não é amor? E ter filhos, e um cachorro, e...e..ah, eu te amo tanto!
Ele dizia o esperado como se fosse lei, e disse sim pra tudo como se fosse não, e se casou com ela como se fosse destino, e teve três filhos como se fossem dois, e comprou um cachorro como se fosse um gato, e morreu ao lado dela como se fosse feliz.
Ele balançava a cabeça concordando; virava o olho pra cima discordando. Dizia na medida certa aquela única palavra necessária "sim", e ela achava tudo lindo. Depois ele ia embora rindo doce, fingia amor no olhar, mas andava rápido e sem olhar pra trás.
- Ah, como eu te amo...eu te amo!
Ele dizia com convição o esperado "eu também", mas repetia a frase de forma enfadonha três vezes seguidas "eu também, eu também, eu também...", o que ela achava enfático e lindo. Depois encenava um beijo demorado e firme e representava bem o seu papel de macho entusiasmado. Mas em seguida virava de lado e dormia rápido pra esquecer, e sonhava que sonhava com ela, e acordava com ela e sonhava acordado com outra, com ela ao lado.
- Nós vamos casar um dia, não é amor? E ter filhos, e um cachorro, e...e..ah, eu te amo tanto!
Ele dizia o esperado como se fosse lei, e disse sim pra tudo como se fosse não, e se casou com ela como se fosse destino, e teve três filhos como se fossem dois, e comprou um cachorro como se fosse um gato, e morreu ao lado dela como se fosse feliz.
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Dizem que exagero E eu aqui, nego: Sinto muito. Quando gosto, expando Quando desgosto, debando Dizem que não falo eu,...
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frio calor frio calor. coça coça, frita. água, xixi. coça. ônibus carro rua funk. carro com funk. sono sem sono sono. ele também não consegu...
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Vou me afogar num copo d’água, por hoje. Espero que demore o dia todo senão vai sobrar muito tempo livre e eu detesto tempo livre. Parece qu...
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