Toc, toc, toc,
bateu com força. Inusual, dessa vez abriram. Entra, tô aqui, tô pronto.
Estranho, pensou, porque ninguém tá quando quer. Tava lá, mesmo, inteiro. Sem
se deixar notar, arregalou os olhos; assustou. Balançou de leve a cabeça em tom
incrédulo. Como é que pode, de fato, se dizer o que se quer? E estar, sem meio
mais ou menos, quando se quer? Nem mesmo aceitou tanta inteireza. Pra se
proteger, né? Do quê? Do quê. Tempos
depois, naquela hora em que tudo já é tão memória que de repente ganha clareza,
enxergou. Por que não ficou, afinal? Teve medo, fugiu tal qual ladrão na calada
da noite. A gente vive é misturando o que se quer com o que se devia querer,
dizendo hoje o que era ontem, insistindo num amanhã que não devia. A gente vive
é com medo de estar quando quer.