segunda-feira, 19 de dezembro de 2005

Café

Vou me afogar num copo d’água, por hoje. Espero que demore o dia todo senão vai sobrar muito tempo livre e eu detesto tempo livre. Parece que se multiplica e reverbera e invade até o que não era tempo livre. Infernal, essa tal liberdade das férias.


A verdade é que eu cansei disso aqui. É tudo branco e é sempre branco quando o que eu quero é vermelho, sei lá, talvez vinho. E é tudo branco e igual, e os lençóis são sempre brancos e as paredes e o teto e a tela do Word também é branca. E a minha cabeça é branca também, porque é oca. Cabeça oca.


Além disso, tem a chuva. Parece que não cansa de chover por aqui, incrível. Já molhou tudo, molhou? Quer que eu seque só pra você chover de novo? E depois? Depois dá na tevê que o povo já se cansou de tanto o céu desabar. É essa chuva aí que aumenta o tempo livre. Multiplica por três vezes dez a quarta. Matemática da vida, olha só.


Eu queria mesmo era que fizesse sol, e que eu fosse andar pela rua e entrasse num desses cafés, que ninguém vai mas todo mundo já foi. Desses inexistentes que ficam nas esquinas esquecidas, por aí. E estaria com cheiro de café, e isso iria me deixar feliz. Eu não gosto de café, mas o cheiro é bom. É que nem cigarro. Eu gosto do cheiro de cigarro, mas só quando ta apagado. Quando acende dá falta de ar, ai eu falo poxa, apaga esse cigarro vai, pra que isso agora? Mas quase sempre o cigarro num apaga não. De qualquer forma, o cheiro iria ser de café, não de cigarro. E então eu iria me sentar de frente pra janela, porque eu gosto de ver as pessoas andando na calçada. Mas só quando faz sol. Ah não, antes disso eu iria olhar pro cara de cachos ali sentado de frente pra janela, fazendo as palavras cruzadas. É verdade que gosto de olhar as pessoas andando na calçada, mas ok, admito que dessa vez seria pelo cara de cachos. Vocês sabem como é que são os cachos. Eles balançam. Enfim, eu iria sentar de frente pra janela e os cachos iriam me dizer:


- Delírio, desvario.


E eu responderia:


- Frenesi.


E por isso eu então me sentaria mais perto para ajudá-lo nas palavras cruzadas. E ele estaria tomando café, e até me ofereceria um, mas eu diria que prefiro um bombom de trufa. Ele estaria vestindo uma camiseta vinho, não branca, vinho. E de repente me diria olha aquela mulher do outro lado da rua, sentei aqui porque gosto de olhar as pessoas andando na calçada, olha aquela mulher, ela está tentando se equilibrar na muretinha do prédio, mas não consegue. Além dos cachos, teria a barba. Vocês sabem como é que são as barbas. Elas crescem e pinicam. As palavras cruzadas não teriam mais importância, iríamos mesmo olhar a mulher do outro lado da rua, e depois o menininho e o cachorro feio e o homem que tropeçou e quase caiu. Depois não teria mais sol, e iríamos embora. Eu nem perguntei o nome dele, pensaria depois. Mas não faria diferença, porque ele tinha cachos e uma barba e no dia seguinte estaria lá de novo. Frenesi.


É assim, eu cansei disso daqui. Queria mesmo entrar num café com cheiro de café e encontrar cachos e barbas e fazer palavras cruzadas e observar os outros pela janela e depois ir embora, feliz.


Mas parece que não cansa de chover por aqui, incrível. Então eu enchi um copo com água da chuva, e vou me afogar nele. Pra ver se nasce sol amanhã.

5 comentários:

Nícolas Brandão Silva disse...

É disso mesmo que estou falando!

Colocam-se as palavras direitinho uma do lado da outra e veja só...

nasce um belo texto!

r i l o disse...

tem o café, a barba, os cachos, a música, as trufas e tudo mais...! muito muito muito bom!
mesmo mesmo!
sou seu fã!

bjaum! te amo!

Anônimo disse...

Paulinhaaaaa! Não é q eu achei seu blog denovo?! Graças ao rilo (indiretamente)...Eu sabia q era "nemistonemaquilo", mas ñ lembrava o resto. Até q o novo blog do rilo me despertou: "blogspot" era o q faltava!!
Tem mto texto bom por aqui! Aquele diálogo esquizofrênico (com todo respeito hehehe) tbm me lembrou a Hora da Estrela...adorei! Ah, e o poema de cima? Lindo menina!! E o comentário sobre brenos e brunos? Mto válido, viu?
Esse último texto tbm ficou mto booom! "Tá de Parabéns!" Bjo!

Anônimo disse...

Sei como é... barbas, cachos, café... sei sim com é!
o texto tá tão... lindo! não sei... é como o nicolas disse, uma palavra ao lado da outra, direitinho... Adorei!

beijos liha!

Anônimo disse...

ok. amei. coloque-o no nosso livro, sim?

...mas também é legal olhar pessoas na chuva porque elas ficam molhadas os correndo e se encolhendo em baixo dos guarda chuvas...

...droga. Agora me deu vontade de cachos e barbas. Se bem que pode ser liso e barbas... depende, se for ele pode... se não, deixa os cachos mesmo...

Jo! Saudades!
Volta logo dessa viagem. :p
BeiJÔÔÔÔ

Dizem que exagero E eu aqui, nego: Sinto muito. Quando gosto, expando Quando desgosto, debando Dizem que não falo eu,...